domingo, 15 de maio de 2011

Para ler e reter

"Conhecer o corpo de uma mulher é uma tarefa tão lenta e tão louvável como aprender uma língua morta. A cada noite que passa, acrescenta-se um novo território ao nosso prazer e uma nova palavra ao nosso já considerável vocabulário. Mas haverá sempre mistério por desvendar. O corpo de uma mulher, todo o corpo humano, é por definição infinito. Começa-se por ter acesso à mão, esse apêndice utilitário e instrumental do corpo, sempre à mostra, sempre disposto a entregar-se a quem quer que seja, que lida com todo o tipo de objectos e adquiriu, à força da sociabilidade, um carácter quase impessoal e anódino, como se fosse o funcionário ou o porteiro do palácio humano. Mas é o que se conhece em primeiro lugar: cada dedo vai-se individualizando, adquirindo um estatuto familiar, e depois cada unha, cada veia, cada ruga, cada imperceptível sinal. Além disso, não é só a mão que conhece a mão: também os lábios conhecem a mão e lhe emprestam um sabor, um odor, uma consistência, uma temperatura, um grau de suavidade e aspereza, uma comestibilidade. Há mãos que se devoram como a asa de um pássaro; outras acostam-se na garganta como um eterno cadafalso. E que dizer do braço, do ombro, do seio, da coxa, do...? Apollinaire fala das sete Portas do corpo de uma mulher. Apreciação arbitrária. O corpo de uma mulher não tem portas, como o mar."

 Prosas Apátridas
Júlio Ramón Ribeyro


É preciso alguém muito especial para nos conhecer o corpo e adivinhar tudo o que nos vai dentro

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